Uniforme escolar é sempre uma polêmica. Pai/mãe/avó/avô que já teve que procurar 1.001 argumentos pra explicar à criança o porquê de ter que usar uma roupa horrorosa, calorenta e um sapato fechado com meias pra ir à escola - independente do clima - sabe bem o que é isso. Maria Joana cresce frequentando uma universidade pública, espaço repleto de áreas verdes onde milhares de adultos entram e saem de sandália, chinelo, camiseta, vestido, shorts... isso já foi pauta de algumas conversas, na verdade: o contraste entre a disciplina da escola dela e a liberdade de quem estuda na nossa escola (no caso, a UFS). Mas até que tem sido uma oportunidade legal de diálogo.
No entanto, há outro contraste entre a rotina dela e o que vê na escola: as mochilas. Quando compramos pra ela uma mochila simples, com o desenho de uma gatinha que imita a Marie (chamamos de "Marie genérica"), ela ficou eufórica porque tinha rodinhas pra arrastar e a lancheira pra colocar nas costas. Nunca me pediu uma igual às dos colegas, mas quando chegamos à escola, o que vejo são os pares dela entrando com verdadeiros transformers: mochilas que viram carro, salão de beleza, casa da princesa, Barbie que vira borboleta, e até mochila com glitter!! Meninas e meninos de 3, 4 anos. É algo que me perturba ver tantas crianças pequenas já inseridas na lógica do consumismo.
Como Maria Joana nunca me pediu nada daquilo, apenas sugeri em uma conversa que esse é um espetáculo do qual ela não precisa fazer parte. São pequenas coisas que trazem incômodos à nossa criação, porque a gente sabe que, na idade dela, é muito recorrente querer tudo o que os outros amiguinhos têm. Ensinar um estilo de vida que rejeita o consumismo e valoriza outros aspectos da relação humana é cada vez mais complicado. Principalmente quando olhamos ao redor e vemos que somos muito poucos (e é por isso que sempre damos um jeito de fortalecer nosso círculo de convivência).
Mas hoje vi uma cena que me impressionou: da porta, eu observava minha filha entrando na sala, quando chegou uma outra criança do mesmo tamanho. No lugar do uniforme, uma roupa muito extravagante pra uma criança, de batom, uma coroa na cabeça, numa mão uma varinha de condão e na outra a mochila dela (da Barbie com glitter, pra completar o visual para o qual ainda não encontrei adjetivos). Quando comecei a caminhar em direção à Coordenadora Pedagógica da escola pra perguntar se hoje tinha alguma festa à fantasia da qual eu não teria sido avisada, percebi que ela tomou um susto quando viu a menina entrando daquele jeito e procurou os pais, mas sem sucesso. Pelo espanto dela, percebi que era um fato atípico.
Mas percebi também que Maria Joana não parava de olhar para a menina (todas as outras crianças, na verdade). No início, com um olhar de espanto, mas quando ela olhou pra mim com aquela cara que eu já conheço, gesticulei para que ela continuasse seguindo o caminho. Já prevejo que ela vai chegar em casa pedindo pra ir à escola daquele mesmo jeito. Isso não é o problema, até que já estamos acostumados com esse tipo de diálogo.
Mas o que me preocupa é essa infância tão consumista. Tão vaidosa, tão preocupada com o batom que vai usar pra ir à escola ou o glitter da sua mochila da Barbie. Sempre digo que sou contra qualquer tipo de fórmula ou padrão pra criar os filhos. Também sou contra qualquer tabelinha ou cronograma que associe hábitos às idades e que devam ser encarados como padrão. Sou contra esse tipo de normatização. Mas sou a favor do bom senso. Crianças são apenas crianças - e não a garota-propaganda da Avon.
E você, que acha que preserva a infância e a saúde mental de seu filho quando procura criar pra ele um universo simplesmente infantil, se sente isolado, ultrapassado, careta, riponga, alternativo. Tem medo que os coleguinhas chamem ele de pobre porque a mochila é simples. Mas que na verdade é a mochila ideal para levar os materiais de que ele precisa pra se alfabetizar. Acha que o batom é um cosmético fabricado para uma boca adulta, e que é um acessório extremamente dispensável pra se divertir. Acha que a criança não tem que se preocupar com nada além de arrumar o próprio quarto, cuidar dos brinquedos e tratar bem o coleguinha da escola, do parquinho, os priminhos... mas tudo isso que você acha se torna "alternativo" diante de um padrão de infância tão consumista e competitivo. O que me causa uma confusão mental é insistir na pergunta: por que criar seu filho como uma criança é algo considerado "alternativo"?