Esqueça as mães da C&A, Renner, Boticário, Natura e similares. Aquelas mulheres brancas, bem maquiadas, de cabelos alisados, roupas claras, sempre meigas e emocionadas com o presente mais caro das lojas nem de longe representam o sofrimento de tantas mães que vivem em um país economicamente desigual, machista, racista, preconceituoso e penal como o Brasil.
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Charge de Carlos Latuff. |
Enquanto as mães de classe média destacadas pelas colunas sociais como "bem nascidas" publicam fotos alegres com suas famílias em fartos almoços do Dia das Mães, outras mães continuam chorando e lutando para que os preconceitos de uma classe média "bem nascida" parem de pedir mais polícia que matam seus filhos e suas mães, para que mega eventos e projetos de desenvolvimento bem alardeados pela mídia parem de expulsá-las de suas casas e para que um dia possam simplesmente viver.
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Manifestantes no ato "A paixão de Cláudia", em homenagem
a Cláudia Ferreira no dia 18 de abril, em São Paulo. |
Enquanto defendermos a luta armada contra as drogas e a ação policial militarizada nas favelas, não temos o direito de desejar Feliz Dia das Mães aos filhos de
Cláudia Ferreira da Silva e à mãe de Douglas Pereira (DG). Enquanto ensinarmos aos nossos filhos noções de intolerância religiosa como a ideia de que religiões de presença africana são "coisa do demônio", seremos eternamente cúmplices de mitos e boatos preconceituosos que motivam a "caça às bruxas" que culminou na morte de Fabiane de Jesus, acusada de praticar "magia negra". Uma cultura que é intolerante às diversas formas de crença e alimenta boatos como esse para criminalizar outras religiões não terá nunca o direito de desejar Feliz Dia das Mães às filhas de Fabiane.
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Maria de Fátima (mãe de Douglas Pereira) e Deize Carvalho (mãe de André Luiz)
perderam seus filhos pela violência do Estado. |
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Jaílton e as filhas Yasmin e Ester - família de Fabiane Maria de Jesus,
assassinada por um mito que cerca a intolerância religiosa.
Foto: Marcos Alves/O Globo. |
Enquanto fecharmos os olhos para o extermínio da juventude negra nas periferias, não temos o direito de desejar Feliz Dia das Mães a nenhuma mulher negra e pobre, que todos os dias dorme e acorda com medo de seu filho ser linchado, "confundido com um bandido" e não voltar mais para casa. Enquanto defendermos que "bandido bom é bandido morto", sem que as pessoas tenham o direito de se defender legalmente, seremos eternamente cúmplices da violência urbana e estatal, contra culpados e inocentes.
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Mãe tenta defender seu filho da ação policial nas favelas.
Foto: Eduardo Naddar/Agência O Dia |
Uma nação que toma Rivotril para dormir, mas acha que maconha é droga e que seu uso deve continuar sendo crime, não tem o direito de desejar Feliz Dia das Mães a
Selma Ferreira, que perdeu seu filho Vitor Hugo, de 12 anos em Cuiabá, Mato Grosso. Com crises sucessivas de epilepsia, Vitor dependia de um
medicamento feito à base de canabidiol (CBD), substância encontrada na
cannabis sativa (popularmente conhecida como maconha) para sobreviver. Mas, depois de percorrer consultórios em busca de médicos que aceitassem prescrever o remédio e órgãos jurídicos em busca de liberação para a compra do medicamento, Selma teve que enterrar seu filho na semana passada. Selma não teve o direito de medicá-lo porque vive em uma sociedade que se julga no direito de dizer a ela que o uso da maconha é crime. Mas essa mesma sociedade, cheia de valores e de "cidadãos de bem preocupados com a lei", não tem o direito de desejar a ela Feliz Dia das Mães.
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Selma Ferreira não conseguiu a liberação do medicamento a tempo de salvar seu filho.
Foto: Anselmo Carvalho Pinto
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Essa mesma sociedade que apoia a ação militar contra as drogas não tem o direito de desejar Feliz Dia das Mães a nenhuma das
mulheres guerreiras que dão a cara pra bater e levam seus filhos à Marcha da Maconha, porque querem ter o direito de viver em uma sociedade livre e poder medicar seus filhos, para evitar a próxima convulsão.
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Ala das mães na Marcha da Maconha do Rio de Janeiro. |
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Foto: Fernanda Rouvenat/G1 |
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Enquanto defendermos as ações de desenvolvimento econômico que esbarram em direitos sociais, não temos o direito de desejar Feliz Dia das Mães às Mães da Maré, às Mães de Itaquera, às Mães do Pinheirinho, às Mães Quilombolas, às Mães indígenas e todas aquelas que lutam pra ter um pedaço de terra pra plantar e uma moradia decente. Mas são ignoradas pela "necessidade" de modernização e de megaeventos como a Copa do Mundo.
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Famílias montam barraca na Ocupação "Copa do Povo", em Itaquera.
Foto: Peter Leone/Futura Press. |
Enquanto você defender a ação militarizada da polícia contra os jovens pobres e negros, enquanto defender que a diversidade religiosa é coisa do demônio, que as mulheres que usam roupas curtas merecem ser estupradas, que o uso de maconha deve continuar sendo crime, que os cabelos crespos são "ruins" e devem ser alisados, eu e minha filha seremos eternamente estigmatizadas pelo seu preconceito. Por isso, não me deseje Feliz Dia das Mães com um sorriso racista, machista, preconceituoso e elitista. Você não tem esse direito.
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