Volta e meia me pego nas contradições que envolvem a tentativa de ser uma mãe moderna, libertária, e o ranço da criação conservadora que tanto criticamos. Quebrar velhos paradigmas é um exercício bem difícil, mas a autocrítica também nos ajuda a colocar os pés no chão que queremos pisar. É muito raro eu incluir biscoitos recheados na alimentação de Maria Joana, mas hoje acabei cedendo. Justamente por ser um fato raro, achei que não teria problema ela comer alguns biscoitos doces com recheio. Normal.
A questão é que assim que dei o biscoito, a vi separando as partes com o dedo e comendo apenas o lado do biscoito que tem recheio. Imediatamente, reclamei e disse que ela teria que comer o biscoito todo, senão eu não daria mais. Ela disse que tudo bem e foi para o quarto. Depois voltou e pediu outro. Foi comer no quarto. Voltou e pediu mais outro. Foi comer no quarto. Depois de três vezes indo e voltando do quarto, eu percebi que ela já estava fechando a porta. Quando me levantei e fui até lá, vi todas as metades-sem-recheio do biscoito encostadas num canto. Me senti vendo um filme da minha infância: eu fazia a mesma coisa e minha mãe dizia a mesma coisa. Então me veio um insight: "Por que cargas d´água ela tem que comer a parte sem recheio?".
Uma coisa é servir o almoço com arroz, feijão, carne, salada, batata frita etc. e a criança comer apenas a batata frita. Nesse caso, existe um sentido em tentar fazer com que ela coma a parte mais saudável, e não só a fritura. Mas, se ela já está comendo um biscoito recheado, qual o sentido de forçá-la a comer a parte sem recheio? Não há. Ainda mais lembrando quantas vezes eu mesma fazia isso e nunca fui convencida da importância de comer a parte que eu não queria - escondia embaixo do colchão, jogava no lixo, mas não comia.
Quando vi Maria Joana subvertendo minha ordem sem me enfrentar, percebi o quanto reproduzimos detalhes de nossa criação sem ao menos nos perguntarmos qual o real sentido e se realmente queremos fazer daquele jeito. Coisas de mães-pseudo-modernas.
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