Há poucos dias conversava com dois amigos sobre a mania que nós, adultos, temos de 'infantilizar' as crianças - por vezes, as enxergamos como incapazes de pensarem por elas mesmas ou de relacionarem as coisas ao seu redor. Tendemos sempre a resolver os problemas por elas, facilitar todos os obstáculos para que ela sofra o mínimo possível ou tenha menos trabalho do que poderia ter.
Mas confesso que, apesar de acreditar nessa premissa, sempre tive dificuldade de deixar minha filha resolver suas próprias situações de conflito com outras pessoas. Quando alguém falava ou fazia alguma coisa que ela não gostava pra testar os limites e as reações dela, eu imediatamente pedia pra parar. Ficava com raiva por ela, respondia por ela, resolvia por ela - só que do meu jeito.
Quando nos mudamos para um apartamento, ela passou a conviver mais com crianças de diversas idades e os conflitos sempre foram inevitáveis. Brigas por brinquedos, pela descida na escorregadeira, e por aí vai. Passei a ficar apenas observando e vi que ela tinha capacidade própria de responder coisas do tipo "não, agora é minha vez", "não quero brincar com você", "vamos brincar disso e daquilo", "não faz isso senão você me machuca", e por aí vai. Me recolhi ao papel de observadora e depois perguntava a ela sobre as sensações, sobre seus pensamentos naquele momento e nada mais.
Mas persistia no hábito de responder por ela quando as pessoas em conflito se tratavam de adultos. Nem todos têm uma idade mental compatível com sua idade cronológica, então as crianças não estão livres daquelas que as perturbam para testar seus limites ou vê-las irritadas. Minha filha sempre odiou apelidos e um parente seu a chamava de 'menininha'. Ela nunca respondia e eu sempre mandava ela cumprimentar, dizia que era falta de respeito ignorá-lo. Até que um dia ela disse para toda a família, em alto e bom som: "Eu não gosto que ele me chame de menininha e toda vez que ele me chamar, eu não vou falar com ele".
Então eu percebi o quanto estava ignorando os sentimentos dela ao dizer que ela tinha que cumprimentar, mesmo sem gostar da maneira como estava sendo tratada. Passei a não me intrometer mais e apenas observei o mesmo ritual de sempre: ela entra na casa, ele diz "oi, menininha" e ela passa direto. Não me intrometi mais e quando alguém comenta o assunto, eu apenas ressalto que ela já deixou clara a sua posição e que é um direito seu.
Mas ontem ela me surpreendeu ao se situar em uma situação na qual um adulto a importunava de maneira crescentemente invasiva. A rejeição dela foi muito clara do início ao fim e, ao invés de ela se irritar, a outra pessoa é que ficou angustiada com sua rejeição. A maneira como ela agiu naquela situação me mostrou duas coisas muito importantes. Em primeiro lugar, que ela era mais capaz de resolver seus problemas do que eu imaginava. Mais do que isso, me mostrou uma forma particular de controlar os impulsos com a qual eu deveria aprender.
Fiquei surpresa e ao mesmo tempo super orgulhosa da grande mulher que ainda se forma. Diante da situação, a pessoa em questão, irritada, se virou para mim e disse: "Ela agiu como você nunca vai ser capaz de agir". Realmente, não seria capaz de agir como minha filha em uma situação como a de ontem. Mas aprender com as crianças é uma questão não só de humildade, como também de autocrítica, e esse é o primeiro passo para mudar. Se minha filha ainda tem três anos, então temos muito tempo pra que ela realmente me ensine a agir como ela em vários momentos. Estou pronta, de peito aberto e muito grata por ter uma grande professora de vida ao meu lado.