A melhor hora do dia é quando eu levo Maria Joana para o hotelzinho. O ritual é sempre o mesmo. Desço do carro com ela no colo e a levo até a tia, que já espera na porta. Ao me aproximar do seu ouvido pra sussurrar "Hora de ficar com titia e com Deus", como falo todos os dias (com dor no coração!), ela sempre me olha e dá aquele sorriso banguelo.
Pelo sorriso e o olhar dela, eu entendo: "Tchau, mamãe... eu vou ficar bem". Volto para o carro, pego a bolsa dela, dou mais um beijo e novamente digo que ela vai ficar com Deus. E a titia sempre diz "Amém, mamãe!". E sigo para o trabalho, querendo chorar como faço todos os dias (será que um dia eu não vou ter vontade de chorar?).
O ritual de deixar o filho na escola |
Lembrei de uma entrevista que o jornalista William Bonner deu recentemente em um programa de TV, na qual ele disse que o momento de levar os filhos à escola eram os únicos minutos que eles tinham para conversar, e por isso era o momento mais especial do dia pra ele. Seus filhos, por sua vez, disseram que, como o pai trabalha muito, eles tentavam aproveitar ao máximo aqueles minutos em que eram levados para a escola. Hoje, ao conversar com outros pais, eu vejo a importância desses poucos minutos do dia pra trocar carinhos, conversas e cumplicidade.
Geralmente, quando deixo Maria Joana no hotelzinho, vejo outros pais parando o carro pra deixar seus bebês, observo a interação entre eles e fico extremamente curiosa pra saber o que eles conversam. Será que falam as mesmas coisas? Independente do que falam, eu percebo que os coleguinhas de Maria sempre sorriem de volta... será que todos eles 'dizem' "Tchau, eu vou ficar bem..."?
De qualquer forma, é sempre lindo. Mas, um dia específico que eu fui deixar minha Maria, percebi um carro parando atrás da gente e vi que era um dos pais se preparando pra deixar sua filha no mesmo hotelzinho.
A mecanicidade com que o pai tratou aquele momento era de assustar. Ele desceu do carro, abriu a porta de trás, a pegou pela mão e a deixou com a tia. Sem olhar no rosto da filha, sem dizer uma só palavra... sem sequer dar um sorriso e dizer tchau. E foi embora. Paralisei e olhei pra menina com tanta dó... e ela, como se já tivesse se acostumado, simplesmente pegou na mão da tia do berçário e entrou andando, de cabeça baixa... caladinha.
Na hora, tive vontade de perguntar àquele homem se ele não tinha vergonha de ser o único pai frio e insensível do berçário. Como se deixa uma filhinha tão fofa em um lugar, nas mãos de outras pessoas, e não dá sequer um "tchau" ou "Papai volta..". Fui para o trabalho estarrecida com aquela cena, que eu percebo que é tão cotidiana.. e para aquela menina provavelmente será cotidiana pelo resto da vida. Imaginei milhares de cenas cotidianas entre ele e aquela menininha - todas frias e sem carinho.
Durante vários momentos daquele dia, tive vontade de voltar ao hotelzinho, pegar Maria Joana no colo e dizer a ela da importância que ela tem pra mim, do quanto ela me faz bem, me faz feliz e radiante todas as manhãs quando acordo e a vejo sorrindo. Tive vontade de ligar para o pai dela e dizer: "Olhe, da próxima vez que você pegar Maria Joana no colo, abrace bem, faça muito carinho e diga que ela é a pessoa mais importante do mundo pra você.. e que você só vai ser feliz enquanto ela estiver bem".
Pensei em relatar a cena e dizer que ele era um homem morto se um dia fizesse como aquele pai - como toda leonina dramática. Mas apenas liguei e comentei sobre a cena que tinha visto. Acho que já não precisava 'ameaçá-lo de morte'... tenho consciência de que ele jamais agirá como o único pai frio e insensível do berçário.
Naquele dia, quando coloquei Maria Joana pra dormir, falei que ela nunca entraria na escolinha do jeito que aquela menininha entrou. E ela deu o maior sorriso banguelo, 'dizendo': "Eu sei disso".
lindo texto Pri
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