Acredito que uma simples brincadeira é capaz de expressar simbolicamente a forma que as crianças vêm o mundo e as pessoas ao seu redor. É nas atividades escolhidas para se divertir e na própria forma de brincar e de socializar a brincadeira com os coleguinhas que as crianças expressam tudo aquilo que vêm no seu ambiente de crescimento, principalmente a forma como são tratadas.
Passei a pensar mais nisso quando percebi que Maria Joana faz com suas bonecas tudo o que eu faço com ela. Desde o abraçar e "colocar para dormir" até "fazer cócegas"! Quando ela pega os brinquedos de montar e encaixar, os gestos são iguais aos que fazemos para ensiná-la como se encaixa. Quando dou um pratinho pra ela brincar, ela finge que me dá comida, igual à forma como fazemos com ela.
Construção de significados
Construção de significados
Passei a pesquisar mai sobre o assunto e hoje li um texto muito bom sobre o assunto, que na verdade é uma tese de doutorado da professora Sônia Regina dos Santos Teixeira, intitulada "A construção de significados nas brincadeiras de faz de conta por crianças de uma turma de educação infantil da Amazônia". Segundo a tese, "os desejos e as necessidades da criança estão relacionados, principalmente, às interações com os adultos, suas atividades e funções, que acabam por se transformar em argumento das brincadeiras de faz de conta".
No estudo, ela cita exemplos de crianças que brincam de caçar, atividade muito importante na estrutura social da qual elas fazem parte. Não acredito que uma criança da idade de Maria Joana tenha noção dos tipos de atividade econômica que são exercidas ao seu redor ou das diferenças de gênero nas brincadeiras (o que seria "brincadeira de menino" e "de menina"). Mas acredito que ela reproduz (da sua forma) a maneira como é tratada e como se socializa com os coleguinhas e outras pessoas ao seu redor.
Imagem retrata a reprodução do carinho entre a menina e a boneca. |
É claro que nem todos os gestos da criança devem ser levados a ferro e fogo e o ideal é deixá-la se expressar à vontade. No entanto, eu tenho percebido que, quando Maria Joana se irrita (principalmente quando eu brigo com ela por pegar algo que não pode), ela quase sempre vai em direção a uma de suas bonecas e bate nela, ou então joga um brinquedo no chão.
No entanto, ela nunca apanhou de nenhum adulto. Mas acredito que, na convivência com crianças de várias idades no hotelzinho, existam os empurrões, beliscões, mordidas, tapas... coisas normais entre crianças que passam o dia inteiro juntas (mas que devem sempre ser observadas).
É claro que não dá para criá-los numa bola de cristal. A "violência" entre elas acontece mesmo, muitas vêem em casa, na escola, na rua ou mesmo pela televisão. Nesse sentido, eu fico me perguntando o que poderia ser feito para mostrar a eles que esse tipo de atitude é errado.
É claro que bater é a pior solução. Não se ensina a não ser violento utilizando-se de violência. O que eu tento fazer para mostrar a Maria Joana que é errado bater nas bonequinhas é conversar e fazer com a boneca o que eu quero mostrar a ela que deve ser feito: como se a boneca fosse a personalização de um amigo que ela tem que tratar com carinho.
Eu geralmente pego a boneca, abraço, beijo, "converso", e estimulo ela a fazer o mesmo. Na mesma hora ela repete, e percebo que, com o tempo, ela passa a entender que o ato de bater é errado. Mesmo quando o faz, ela sabe que será "reprimida".
Eu fico me perguntando também se a forma como meninos e meninas agem com os bonecos é a maneira como eles se comportam na socialização com outras crianças. De qualquer forma, mesmo sem perceber direito essa relação entre os brinquedos e os momentos com os colegas, não dá pra ver uma criança tão pequenininha agindo com violência e olhar com naturalidade.
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