Pela primeira vez a América Latina sediará o Congresso Mundial de Ciência e Tecnologia de Alimentos. Em sua 16ª edição, o evento - que teria "como objetivos promover oportunidades de cooperação internacional, troca de informações e discussões entre cientistas e especialistas de alimentos de todo o mundo" - será realizado entre os dias 5 e 9 de agosto, em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná.
O tema "obesidade infantil" foi banido do evento |
No entanto, o que parece ser uma ótima oportunidade para abordar o problema da alimentação em todo o mundo camufla em si mesmo uma gritante contradição. Um dos debates programados para o evento foi cancelado. A mesa, que abordaria o preocupante "papel da mídia em relação à obesidade e a polêmica regulamentação da publicidade voltada às crianças"*, foi abortada pela professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp e presidente do congresso, Glaucia Pastore, sob a alegação de que o tema "causaria inconvenientes com os potenciais patrocinadores".
Ora, discutir a segurança alimentar é também procurar meios de solucionar os problemas referentes à saúde e à fome de uma população e das relações entre os povos. A partir do momento em que todas as pessoas no mundo inteiro têm acesso a uma alimentação suficiente, segura e nutritiva, muito avançaremos em relação às desigualdades existentes, refletidas em disparidades como o alto índice de crianças desnutridas nos países africanos e milhares de crianças obesas nos Estados Unidos, grande império do fast-food.
Se não temos a liberdade de abordar um tema tão preocupante e fundamental quanto a obesidade infantil, de que vale esse evento senão para movimentar dinheiro? Se a posição dos patrocinadores é mais importante do que combater a obesidade infantil, quem vai ser mais beneficiado com esse evento?
Os pesquisadores que terão a oportunidade de divulgar seus trabalhos, a população que sofre com as desigualdades sociais em diversos países ou as grandes empresas que já lucram o bastante com essas desigualdades?
O evento será sediado no Brasil, mas enquanto estudiosos e empresários do mundo inteiro fingem que estão preocupados com a segurança alimentar e enchem os bolsos de dinheiro, cerca de 10% das crianças e adolescentes brasileiros possui sobrepeso e 7,3% sofre de obesidade (de acordo com o IBGE).
Glaucia Pastore, pesquisadora e presidente do Congresso |
Será que a Glaucia Pastore (visivelmente acima do peso) sabe que o parlamento inglês quer banir o patrocínio de empresas como o MCDonald´s e a Coca-Cola nas Olimpíadas? Segundo os parlamentares, Londres já teria contabilizado 30% das crianças e 60% dos adultos acima do peso.
A diferença entre ambas as situações certamente está na preocupação central: a saúde da população x dinheiro dos patrocinadores de um evento com credibilidade duvidosa.
* Informação publicada na coluna "Plural", de Rosângela Dória, no Jornal Correio de Sergipe.