Hoje à tarde, saíamos do condomínio e, de dentro do carro avistamos a uma certa distância uma porca que parecia estar prenha e um filhote ao lado dela - há um criadouro próximo ao condomínio e de vez em quando eles saem para passear. Pedi a Rafa que fosse mais devagar pra que Maria Joana pudesse observar melhor a mãe porca e seu filhinho passeando. Ela ficou encantada, deu boa tarde, acenou e depois deu tchau. E, como sempre fala quando vê um bicho na rua: "Cuidado, amiguinhos...".
Fiquei impressionada com o tamanho da porca e não pude conter o bom e velho comentário carnívoro - já sei, tem gente pegando as pedras pra jogar em mim, mas na verdade saiu como um espirro. "Imagine quanta calabresa daria pra um churrasco...". Foi apenas uma questão de minutos para o arrependimento.
- Nãããããooooo, mãe.... - sacudindo negativamente a cabeça.
- Não o quê?
- Você não pode comer a porquinha no seu churrasco, ela vai ficar com medo.
- É mesmo?
- É sim! Não pode. Ela não vai gostar que você coma ela, porque ela tá com o filhinho dela, porque ela vai ter medo, porque ela é nossa amiguinha. Os animais são nossos amiguinhos.. e você não pode fazer isso.
- Tudo bem (segurando o riso). Me perdoe, não vou mais comer a porquinha.
Rafa sorriu e disse que todas as crianças de certa forma eram vegetarianas porque, se aquelas que comem carne, soubessem associar o alimento ao bicho que elas tanto idolatram, deixariam de comer a carne. E, fingindo não estar prestando atenção na conversa, ela ainda fechou com chave de ouro esse momento tão revelador de minha desumanidade.
- Tá vendo, mãe? Não pode... são nossos amiguinhos. Né, pai?
- É sim...
Lembrei daquele vídeo em que o garotinho se recusa a comer a moqueca de polvo porque diz que os animais são amigos e que ele os prefere "felizes e em pé". A diferença é que Maria Joana é a criança mais carnívora que conheço, sabe o que é carne de boi, frango e porco e mesmo assim come. Mas agora eu aprendi que uma coisa é ela ver a carne pronta no prato, e outra é ela ver o animal vivo e se mexendo.
Por coincidência (ou não), li há alguns dias um texto do Marshall Sahlins, onde ele busca abordar a cultura norte-americana a partir do papel central da carne em sua alimentação e o tabu dos animais domésticos americanos. Para ele, a comestibilidade está inversamente relacionada com a humanidade - ou seja, quanto mais próximo um animal está da nossa condição de sujeito, teremos menos vontade de comê-los. Cachorros e cavalos, por exemplo, são domesticados e ganham nomes, então não são comestíveis. Mas os bois, frangos e porcos não são "membros da família", todos já aceitam sua condição de "comida". Uma reflexão interessante...
Óbvio que eu não iria falar nada disso a Maria Joana. Limitei-me apenas a me retratar diante do seu olhar fuzilador e da sua lição de moral. E não se toca mais no assunto.
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