sexta-feira, 12 de abril de 2013

As representações das relações e da vida

A correria do dia a dia raramente nos permite observar e compreender as impressões que as crianças adquirem do mundo ao seu redor e as diferentes maneiras com que elas representam e exprimem essa realidade. Há algum tempo, Maria Joana anda com o hábito de 'trocar os papéis'. Quando ela brinca com as bonecas, sempre se comporta como se fosse eu, pede pra ser chamada de 'mãe Priscila' e fala com as bonecas da mesma forma que eu falo com ela.

Dá comida, dá remédios, acalma o choro das bonecas, coloca para dormir... tudo como manda o roteiro materno diário. Então, passei a fazer parte dessa troca de papéis e comecei a agir como ela. Pedia à 'mamãe Priscila' para comer e, quando ela chegava com a comida, eu fazia um escândalo e dizia que não queria as batatas, gritava quando ela queria me dar remédios e sempre enrolava quando ela ia me colocar para dormir.

'Minha mãe' me colocando pra dormir
No início, eu achei que ela iria se chatear e não querer mais brincar. No entanto, me surpreendi. Até nos momentos mais 'críticos', ela procurava lidar com 'meus escândalos' da mesma maneira que eu falava com ela. Sempre que eles estão perdidos em meio à birra, achamos que eles não ouvem o que a gente fala na tentativa de acalmá-los, mas percebi que eles não só ouvem, como representam a cena.

Era difícil conter o riso quando ela dizia comigo:

- Calma, Maria Joana.. tem que tomar tudo pra melhorar.

Passei então a exercer essa inversão de papeis para que ela pudesse compreender as emoções, os dilemas e até mesmo o estresse que permeiam a nossa relação. Acho que é saudável para exercitar o 'se colocar no lugar do outro', para ambas.

No entanto, essa semana eu me surpreendi. Com a chegada da catapora e o molho de vários dias em casa, ela demonstrou bastante inquietação. Me chamava pra ir à escola, pra andar de bicicleta, passear etc. É difícil distrair uma criança de 2 anos e meio quando ela está em casa entediada e agoniada para voltar à rotina de antes.

'Tia Renata' dando aula
Quando eu entregava alguns livrinhos, cadernos e materiais de pintura pra ela brincar, ela então encarnava a representação das relações escolares - claro que no papel da autoridade. Ela me dizia que era a 'tia Renata' (a pedagoga da turminha dela) e que eu era Clarinha (uma das colegas de turma que ela mais gosta).

Passei horas sendo cobaia das vontades da 'tia Renata'. Ela me mandava fazer fila para o lanchinho - sempre atrás dela -, tomar remédios, fazer corações e estrelas, pintar na linha, escrever meu nome etc. É claro que eu não simplifiquei. Me recusei a fazer as atividades, a tomar os remédios, a todo momento dizia que queria falar com a minha mãe, que queria ir embora e cheguei a 'bater no coleguinha' - um sapo verde que estava ao meu lado na turma.

Que pena que eu não consegui filmar. A 'tia Renata' era realmente uma pedagoga. Me chamou pra conversar num canto e disse que eu não podia bater no coleguinha, me fez pedir desculpas e dar um abraço. Disse pacientemente que não era o momento de eu falar com a minha mãe e que ela iria me pegar depois do almoço. Quando eu me recusei a fazer a atividade,  forcei um choro e propositalmente disse:

- Tia, eu não consigo, eu sou uma burra.

E, para meu espanto, ela realmente havia encarnado a pedagoga:

- Não, não diga isso... (balançando a cabeça para os lados). Você não é burra, você vai conseguir. Vamos, eu te ajudo.

'Tia Renata' ensinando a atividade.
Logo atrás, a fila do lanche
Pegou na minha mão e fez um coração comigo no papel (meio torto, claro).

Mas o que mais me espantou foi a maneira como ela falava e os gestos - totalmente iguais aos da tia da escola. A partir de então eu compreendi o quanto é saudável esse exercício de trocar os papéis, até mesmo para perceber de que maneira a criança está percebendo o mundo e as pessoas ao seu redor. É nessa brincadeira que ela se expressa e expressa os acontecimentos à sua maneira. 

Além disso, é uma oportunidade para conhecer melhor também as relações que seu filho mantém fora de casa - na escola, com os amigos etc. Não sei o que os psicólogos infantis dizem com relação a isso, mas estou gostando dessa experiência e sempre que brincamos, interpretamos personagens ao nosso redor. E tem sido muito bom para as duas.


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