domingo, 5 de janeiro de 2014

Os homens e a família: mudanças culturais significativas

Ainda hoje, por incrível que pareça, acredita-se que muitas atribuições delegadas à mulher são relacionadas a "dons naturais" ou da "essência feminina". Muitos elementos entremeados nos papéis sociais de gênero são classificados como "coisa de homem" ou "coisa de mulher", sem levar em consideração as construções culturais imbrincadas em cada modo de vida ou em cada tipo de sociedade. Em países de cultura patriarcal e relações familiares hierárquicas como o Brasil, o lugar do homem e da mulher são muito bem separados e definidos na estrutura familiar. Enquanto a figura masculina representa a autoridade moral e financeira e o papel de mediador com o mundo externo, a autoridade feminina vincula-se à valorização da mãe como cuidadora do lar e da saúde e educação dos filhos. 

Esse modelo colocado de núcleo familiar ainda persiste em organizações sociais que chamamos de patriarcais - como no Brasil. Porém, longe de ser uma divisão de papeis com base em "dons naturais", essa organização familiar é uma construção cultural. Isso é facilmente perceptível quando nos deparamos com outros tipos de organização familiar em diferentes culturas e locais. Recentemente foi divulgada pelo Estado de São Paulo uma matéria que ilustra muito bem esse panorama comparativo.

Na Alemanha, cresce o percentual de homens que exigem condições de trabalho mais flexíveis para ter mais tempo para a família. Segundo a matéria, "A proporção de homens que trabalham meio período mais do que dobrou em dez anos, ao passo que a de mulheres cresceu em torno de 30%." Algo que parece impensável no Brasil, onde as mulheres tentam conciliar trabalho, estudo e família em uma jornada tripla, enquanto os homens permanecem nobremente em sua vida profissional. 


Mas um fator interessante destacado pela matéria é a centralidade da figura masculina como alvo das políticas públicas de família na Alemanha. Outra coisa impensável no Brasil. Quando se trata de políticas públicas para a família, pensa-se logo na mulher, principalmente com relação à reprodução e licença-maternidade. Licença-paternidade, então, nem se discute. E, pasmem, os homens alemães ainda acham pouco.

"Os homens avaliam as políticas corporativas para famílias de forma mais negativa do que as mulheres. Para 85% deles, as políticas das empresas nesse setor são mais direcionadas às colegas do sexo feminino. Foi o que revelou um estudo feito pela A.T. Kearney que será publicado este mês. "As empresas precisam agir. Necessitamos urgentemente de novos modelos de modo a reformular inteiramente o trabalho", disse Martin Sonnenschein, diretor da A.T. Kearney para a Europa Central."


Ou seja, se por um lado a concepção de família na Alemanha procura horizontalizar os papeis de gênero e diluir sua rígida divisão de tarefas, tudo isso está no âmbito de reivindicação dos homens. São eles que pedem por mudanças na legislação, são eles que pedem mais tempo com seus filhos e flexibilidade suficiente para conciliar trabalho, casa e família. Não são as mulheres que estão no seu pé, pedindo "ajuda" nas tarefas domésticas - pelo menos é o que revela o estudo da A. T. Kearney. 

No pacto de coalizão recentemente concluído pelo governo da Alemanha foi inserido, pela primeira vez na história do país, um capítulo que trata do papel dos "pais ativos" e um apelo no sentido de "melhores condições que permitam que pais e mães compartilhem as obrigações profissionais e familiares de modo equitativo".

Tudo isso acontece enquanto os programas da Fátima Bernardes e da Ana Maria Braga, as novelas da Globo os discursos familiares tentam te empurrar como a "devota rainha do lar" com o "dom natural" das habilidades de conciliar tudo.


Sugestões de leitura:

*ALMEIDA, Ângela Mendes de. Pensando a família no Brasil: da colônia à modernidade. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.

*BADINTER, Elisabeth. O Conflito - A mulher e a mãe. Rio de Janeiro: São Paulo: Editora Record, 2011.

*BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado - o mito do amor materno. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.

*SARTI, Cynthia. A família como ordem moral. Cad. Pesq., São Paulo, n. 91, p. 46-53, nov. 1994.


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