Quando eu ouvi essa máxima colocada na boca do Sabugosa, parei o que estava fazendo no computador e me virei para ela. Olhos nos olhos, eu perguntei se ela acha que as "menininhas" são comida e se alguma vez na vida ela já viu uma pessoa comendo a outra. Expliquei que o que a gente come é o que se coloca na boca, como arroz, feijão, macarrão, tomate etc. As pessoas não são comida, elas brincam, amam, sorriem, vão à praia, mas não comem outras pessoas. Não tenho dúvidas que, ao soltar a expressão, ela não tinha noção do que significa a expressão "comer" nesse contexto, mas a conversa é válida para que ela não repita e exerça o combate sempre que a ouvir - com argumentos.
A velha questão das bonecas
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A fotógrafa canadense Arlle Sebryk divulgou fotos de seus filhos brincando de boneca e diz que isso pode torná-los pais mais participativos |
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"A boneca de William", um livro de Chatlotte Zolotow, fala sobre os dilemas de um menino que só queria ter uma boneca |
Na outra oportunidade, com outro menino, ainda saíamos do apartamento, quando ela disse: "Vou pegar duas bonecas, uma pra mim e outra pra fulano". Eu já sabia a resposta que ela iria receber, mas não disse nada. Achei que ela tinha que receber a resposta e sentir a frustração para depois se indignar - algo que eu também sabia que iria acontecer. E aí sim, eu conversaria com ela. E foi exatamente assim: ela chegou animada chamando o menino de longe e falando que havia levado a boneca só pra brincar com ele. Ele olhou com cara de desdém e disse que não podia brincar de boneca. Como eu previa, ela ficou com raiva e veio falar comigo: "Mãe, fulano não quis pegar minha neném, não disse obrigado e não quer brincar comigo". Então lhe expliquei que as pessoas às vezes deixam de brincar com outras por motivos bobos, mas elas é que estão perdendo a oportunidade de viver bons momentos de diversão com pessoas tão generosas como ela. Que ela jamais se convença de que brincar de boneca é coisa de menina, porque não existe "coisa de menina" e "coisa de menino". E disse que ela poderia responder dessa maneira sempre que alguém dissesse o contrário.
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A fotógrafa canadense Arlle Sebryk divulgou fotos de seus filhos brincando de boneca e diz que isso pode torná-los pais mais participativos |
No livro "A boneca de William", de Chartlotte Zolotow, o personagem principal sofre um dilema porque gosta de brincar de bonecas. Se ainda hoje essa ideia incomoda tanta gente, imagina quando o livro foi escrito, em 1972. Em um país de ranço ainda tão machista e racista, por que não caminhamos no sentido de transformar certas práticas e alguns discursos pra finalmente promover algum elemento de igualdade? Questionamos a conduta de muitos homens que são desatenciosos, frios e não participam das tarefas domésticas, mas na hora de criar nossos filhos ensinamos que valores como carinho, sensibilidade e atenção são coisas de mulher.
Desconstruir essas relações enraizadas que criam caixinhas para encaixar "coisas de mulher" e "coisas de homem" é um exercício permanente. Mas a única 'arma' que temos contra toda essa opressão ideológica é o nosso próprio combate ideológico. E temos que ir até o fim!
Acho que mais do que ensinar que não existe coisas de meninos e coisas de meninas temos um desafio imenso de ensinar que na verdade somos diversos, diferentes e cada qual um mundo mas temos q respeitar o outro e viver em comunidade...caminhamos a passos vagarosos...lentos e modestos enquanto sociedade... basta pensar que ainda temos que reclamar espaço para a mulher numa sociedade que já tem que lidar com a violência real aos homossexuais!
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