segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O perigo do consumismo

Morar em condomínio é aguentar a criançada de férias batendo à sua porta várias vezes por dia, com um brinquedo na mão e perguntando pela sua filha o tempo todo. Se você morar no térreo (como eu), não dá nem pra escapar das carinhas nas janelas. No começo isso me incomodava, mas até que já me acostumei. Pelo menos eles brincam em casa e eu observo os diálogos e comportamentos. 

Mas uma coisa que realmente começou a me incomodar foi a persistência de um dos amiguinhos de Maria Joana, de cinco anos, em pedir os brinquedos dela. Quando ela abria a caixa pra espalhar os brinquedos, ele mal olhava as coisas e tudo que pegava, dizia: "Me dá isso" ou "O que é isso? Me dá". Não dava tempo nem de criar empatia com os brinquedos, a ponto de ele ver duas maracas e pedir uma, já que ela tinha duas. Quando eu expliquei pra ele o que era maraca e como se tocava (as duas juntas, claro)... "Me dê as duas, então". No primeiro dia, eu esperei a resposta de Maria pra perceber se era preciso interferir. Ela disse que não daria nada, que apenas emprestaria e então eles continuaram brincando. Tudo bem.

Mas, em condomínio tem de tudo - principalmente aquelas crianças que se acordam e saem passeando de apartamento em apartamento sem hora pra comer ou voltar pra casa. Hoje o mesmo menino apareceu novamente e deslanchou a pedir tudo pra ele. Eu então o chamei pra conversar e nos sentamos. Expliquei que Maria gostava dos brinquedos dela, assim como ele gostava dos dele e que não era legal chegar na casa das pessoas pedindo tudo. Uma coisa era se ele não tivesse brinquedos ou precisasse de algo, mas nada justifica uma criança de classe média entrar na casa das pessoas pedindo tudo como se não tivesse nada a não ser uma coisa chamada consumismo. Tentei explicar sobre o assunto e dizer que ele não precisa ter todas as coisas do mundo no quarto dele e que era muito melhor eles juntarem os brinquedos e aproveitar o que têm pra se divertirem, entre uma série de outras coisas.

Depois que eu falei tudo, ele simplesmente se levantou e disse que se Maria não desse nada, ele iria embora. Ela então começou a dar os brinquedos para ele. Era a hora de interferir mais incisivamente - tomei os brinquedos de volta e disse que amizade não era isso e que Maria Joana não precisava dar nada a ninguém pra ser amiga. E além do mais, não seria coisa de amigo ir embora simplesmente porque não ganhou nada e que ele precisava exercitar a parceria. Para minha surpresa, ele foi embora e Maria Joana ficou chorando e dizendo que a culpa era minha, porque eu não quis dar os brinquedos pra ele.

Esperei a crise de choro acabar e tentei explicar que ela não pode sair dando as coisas dela a todo mundo que faz chantagem, e tentei falar o que era isso pra que ela não caísse mais uma vez. E ressaltei o tempo todo que ela não pode construir relações de amizade baseada em objetos, sejam eles brinquedos ou qualquer outra coisa.

Situação resolvida, fiquei muito chateada. Fiquei chateada por ver uma criança de apenas cinco anos colocando o "ter" acima de tudo e com a capacidade de exercer uma descarada chantagem em cima de outra de três. Fico mais chateada em ouvir as pessoas dizerem que "isso é normal", porque "nessa idade eles só pensam em brinquedos". Não, tá errado! Por que será que "nessa idade eles só pensam em brinquedos", em ter, em colecionar todos os brinquedos no próprio quarto e se não for assim, cortam-se as relações?

Ninguém nasce querendo ter todos os brinquedos do mundo, essa é uma lógica que nós mesmos impomos ao nosso modo de vida e de se relacionar com o mundo, com as pessoas. Hoje quando fomos ao supermercado, Maria Joana olhou para uma barbie e disse: "Mãe, você compra pra mim no meu aniversário?". E para me livrar da pressão, eu disse que sim. Mas depois pensei no quanto agi errado. Com apenas três anos, ela já associa o aniversário, uma data de comemoração da vida, em um data específica para ganhar presentes, brinquedos, consumir. E sendo estimulada pela própria mãe, que apenas diz 'sim'.  

Em tempos onde a lógica do consumismo se faz cada vez mais forte e a felicidade "mora" na embalagem mais bonita da loja, é preciso observarmos os valores que nossas crianças estão aprendendo. Quando tentei conversar com o amiguinho de Maria Joana e lhe mostrar o quanto o "querer ter" estava se colocando acima do "querer estar com", sua reação foi muito perceptível: a lógica dele estava certa, qualquer outra estava errada e ele não queria saber, não queria ouvir. A mesma reação quando ouvem um 'não' numa loja. Não querem saber, não querem ouvir nada, se não for pra levar pra casa aquele brinquedo mais caro e mais atrativo visualmente.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário